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Saber ancestral cria casas e cidades mais frescas sem eletricidade

Saber ancestral cria casas e cidades mais frescas sem eletricidade

O conhecimento dos povos que viviam na Terra há milhares de anos pode ajudar a construir áreas urbanas mais resilientes ao clima.

Com as ondas de calor cada vez mais constantes, a necessidade de manter nossas casas mais frescas só aumenta. Infelizmente, o “homem moderno” usa recursos que dependem da eletricidade, do ventilador ao ar-condicionado, uma energia que tem um custo econômico e ambiental. Para piorar, muitas das construções atuais não levaram em conta a possibilidade de recordes de temperatura ou problemas no fornecimento de energia elétrica. Os projetos de arquitetura, com fachadas de vidro e janelas pequenas, também não ajudam a dissipar o calor.

A boa notícia é que existem técnicas ancestrais de construção, usadas a milhares de anos, que são eficientes e não dependem de eletricidade para baixar a temperatura dentro de casa.  Antes de existir a eletricidade, civilizações antigas já lidavam com um clima seco e quente e este saber pode ser muito útil hoje, ajudando arquitetos e urbanistas a projetar construções e cidades mais resilientes às mudanças climáticas.

Este centro comunitário foi construído recentemente com superadobe no Iraque. Foto: Centro Comunitário Habibi

Design de resfriamento comunitário
Os sumérios viveram na região onde hoje está o Iraque há cerca de 6 mil anos. Desde aquela época, as temperaturas já eram altas e a umidade baixa, com o sol forte durante praticamente todo o ano. Para lidar com essas condições, os sumérios construíram moradias com paredes grossas feitas de materiais capazes de absorver e liberar calor, como barro e adobe. As paredes absorviam calor durante o dia e liberavam durante a noite, de forma que resfriavam o interior das casas para o dia seguinte.

Foto: Ikobé – Cooperativa de Bioconstrução

Outro recurso eram as construções unidas, como as casas geminadas que vemos em diversas cidades do Brasil. Essa configuração minimiza a quantidade de área de superfície exposta à luz solar direta. A ventilação e a luz natural encontravam caminho em pequenos pátios e as vielas estreitas garantiam sombra durante o dia para quem caminhava. Esse planejamento urbano criativo não apenas melhorou o resfriamento, mas também criou um senso de comunidade entre as pessoas, demonstrando que o design eficiente pode beneficiar tanto os indivíduos quanto a sociedade.

Mulqaf, em desenho antigo e nos dias atuais. Imagens: Egyptian Architecture

Coletores de vento
Os antigos egípcios também conviviam com um calor intenso e usaram o design para se adaptar da melhor forma possível.  Enquanto muitos palácios eram feitos de pedra resistente ao calor, edifícios residenciais comuns eram geralmente feitos de tijolos de barro, que forneciam isolamento e proteção contra o sol.

Um recurso muito sofisticado usado pelos egípcios era um sistema de resfriamento conhecido como malqaf , uma torre de capturava o vento e direcionava as brisas para dentro dos edifícios, circulando ar mais frio e expelindo mais quente. Esse coletores de vento, eram direcionados  na direção das brisas predominantes – uma tecnologia tão eficiente que é usada até hoje em regiões do Oriente Médio e da Ásia Central. Sem precisar de um ar condicionado elétrico, é possível, direcionar o ar mais frio para dentro das construções.

Foto: James Park | Unsplash

Orientação solar e materiais naturais
No sudoeste dos Estados Unidos, os povos originários também tinham seus próprios recursos para manter os ambientes frescos, mesmo com as altas temperaturas do exterior. As moradias tinham paredes grossas feitas de materiais resistentes ao calor, como tijolos de barro e pedras. Mas, eles foram além e incluíram a orientação de seus edifícios em relação ao sol.

Considerando o caminho do sol no céu, vilas inteira foram construídas em saliência de penhascos voltados para o sul, mantendo suas casas protegidas durante o verão e permitindo que a luz do sol as aquecesse no inverno. Esse uso deliberado da direção solar resultou em um sistema natural de gerenciamento de temperatura que ainda é aplicável em projetos arquitetônicos modernos. As moradias de adobe, originárias dos povos norte-americanos ainda são uma escolha popular no sudoeste dos EUA devido à sua longevidade e excelentes qualidades térmicas.

Aproveitando a água da chuva
Um dos aspectos mais difíceis de viver em uma área quente e seca é a escassez de água. Se hoje em dia existe a proposta de afastar a água da chuva para longe de áreas muito povoadas, como centros urbanos, as civilizações antigas viam a água que cai do céu como um recurso precioso que deveria ser coletado e reutilizado.

Durante o século IX, califados muçulmanos no norte da África e na Espanha já construíam moradias com dispositivos de coleta de água da chuva . Telhados eram inclinados para canalizar a chuva para cisternas subterrâneas, e pátios eram construídos para coletar e armazenar água para irrigação de plantas.

Essa abordagem prática não apenas tornou a vida em regiões áridas mais sustentável, mas também resultou em espaços verdes exuberantes e sombreados em para estas comunidades.

Cidades como Mendoza, Argentina, reviveram sistemas semelhantes e os usam para irrigar árvores de rua e outras vegetações urbanas. Serve como um lembrete de que a sabedoria antiga pode oferecer belas soluções para as preocupações ambientais de hoje.

“Piscinão” ancestral
Civilizações antigas mesoamericanas, como os maias, também consideravam a água da chuva como um recurso muito valioso e tornaram a sua gestão ainda mais eficiente. A água da chuva era canalizada para reservatórios e cisternas em cidades como Xochicalco, no México, a partir de construções enormes, como pirâmides e praças. Essa água armazenada ajudava os habitantes a sobreviver às estações secas.

Esses sistemas não eram apenas funcionais, mas também ajudavam a construir resiliência urbana ao fornecer acesso à água mesmo em tempos de escassez. Hoje em dia,  cidades em todo o mundo adotaram essa tecnologia ancestral  para melhorar a segurança hídrica e gerenciar águas pluviais de forma mais sustentável, além de combater as temidas enchentes.

Futuro ancestral
À medida que as temperaturas aumentam em todo o mundo, os saberes ancestrais se tornam mais necessários do que nunca. Os arquitetos e designers de hoje podem incorporar essas abordagens comprovadamente funcionais em estruturas modernas para produzir ambientes mais resilientes e com maior eficiência energética.

Ao adotar o aprendizado histórico, podemos construir casas e comunidades mais bem preparadas para lidar com um futuro mais quente e seco. De torres de captação de vento a coleta de água da chuva, essas ideias fornecem soluções práticas e energeticamente eficientes para nos ajudar a nos adaptar às mudanças climáticas e a reduzir o uso de eletricidade, já que a geração desta energia é responsável pela emissão de gases de efeito estufa.

Fonte: Ciclo Vivo / Imagem: Patti Black na Unsplash

Sou Wellington, um entusiasta apaixonado pelo mundo da engenharia. Minha dedicação e amor pela engenharia são inegáveis. Passo horas estudando e explorando as mais recentes inovações e tecnologias, sempre buscando entender e compartilhar minhas descobertas. Tenho um talento natural para resolver problemas e uma curiosidade insaciável, e escrevo artigos que refletem minha paixão e conhecimento prático. Meu objetivo é inspirar outros a se interessarem pela engenharia e explorarem as inúmeras possibilidades que esta fascinante área oferece.