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Açaí e cimento, uma conexão contra a emergência climática

Açaí e cimento, uma conexão contra a emergência climática

O uso do caroço de açaí como combustível, reduz a pegada de carbono do cimento e transforma resíduos em produtos lucrativos

Em um momento em que o enfrentamento da emergência climática se torna cada vez mais urgente, a indústria cimenteira tem como desafio para se tornar sustentável, a redução dos gases de efeito estufa da sua cadeia produtiva. O cimento, tão presente nos cenários humanos, tem uma pegada de carbono enorme e a redução desse impacto pode trazer soluções para outras atividades, como a produção de açaí na região norte do Brasil.

Essa conexão entre o açaí e o cimento pode parecer improvável à primeira vista, mas com o coprocessamento, ela se torna um caminho que gera benefícios ambientais e sociais. Isso por que o açaí é composto por 20% de polpa e 80% de caroço. E o caroço do açaí, um resíduo abundante, pode substituir combustíveis fósseis na fabricação de cimento.

Mais de 2/3 das emissões de CO2 no setor cimenteiro vêm do processo produtivo. Com fornos que precisam ultrapassar os 1000ºC, as fábricas usam o coque de petróleo como combustível. Substituir o uso deste combustível fóssil por outras fontes energéticas reduz as emissões de gases de efeito estufa e a quantidade de resíduos dispostos em aterros sanitários, evitando passivos ambientais e problemas de saúde pública.

No Pará, o caroço do açaí era um grande problema. A fruta conquistou o Brasil e o mercado global e passou a ser produzida em grande escala. Historicamente artesanal, com a produção restrita ao consumo local por meio dos “batedores de açaí”, o segmento passou por uma revolução com o desenvolvimento da máquina elétrica de bater o fruto. O crescimento deste mercado é impressionante: o valor da produção de polpa saltou de R$ 364 milhões, em 2000, para R$ 1,9 bilhão em 2011.

Mas, com um aproveitamento de apenas 20% da fruta, o restante se tornava um resíduo que provocada prejuízo. Era preciso pagara pela retirada do caroço que era destinado a aterros sanitários, gerando gases de efeito estufa no transporte e decomposição. Com o coprocessamento, o que era um problema se tornou solução. Agora, esse resíduo se transforma em matéria prima para outros produtos e biomassa para combustível.

Somando soluções

Por ano, a fábrica da Ecofoods, na região metropolitana de Belém, produz 3 milhões de quilos de polpa de açaí em barra. Por dia, essa produção gera cerca de 150 toneladas de caroço que são retiradas pela PHS da Mata, empresa que se especializou no reaproveitamento de resíduos da indústria alimentícia.

“Se este caroço não fosse retirado, ele iria paralisar toda a produção da empresa. Mas, o que era um passivo, se tornou um ativo. Eu tinha que pagar para retirar o caroço, hoje eu recebo para fornecer o caroço. Agora também somos fornecedor de caroço”, conta Maurício Nunes, diretor operacional Ecofoods.

Para Pedro da Mata, CEO e fundador da PHS da Mata, o caroço é um produto muito importante. A empresa aproveita 100% do que já foi resíduo e está inclusive estudando a exportação deste material. Assim como a polpa, as “sobras” da fruta também dão lucro. “Temos um rendimento mensal de R$ 3 milhões e metade disso vem do caroço do açaí”, conta Pedro.

Nos pátios da PHS, toneladas de caroço são dispostas em pilhas, onde o processo de decomposição orgânica aumenta a temperatura, ajudando a matar possíveis patógenos e a secar o material. Depois de alguns meses no pátio, o caroço já está pronto para ser usado como combustível em fornos de cimento e de outras indústrias.

“Hoje não tem mais caroço sobrando, vai tudo virar combustível”, comemora Pedro. O negócio é tão positivo que além da coleta nas indústrias, a empresa passou também a faze a coleta urbana desse resíduo, recolhendo e reaproveitando o que sobra do trabalho dos batedores de açaí, que produzem a polpa de forma manual para a suas comunidades.

Das 100 mil toneladas de caroço por ano que a PHS da Mata beneficia, 48 mil são compradas pela Verdera, braço da Votorantim Cimentos que trabalha com soluções para a gestão de resíduos.

Açaí e cimento

Caroço de açaí é destinado para beneficiamento e se transforma em outro produto do fruto. Foto: Diego Feitosa

O caroço de açaí gerado pela produção paraense é beneficiado e depois encaminhado para a fábrica da Votorantim Cimentos que fica em Primavera, pequeno município no interior de Belém. Lá, ele é usado em fornos que reduzem a umidade do calcário, matéria-prima que compõe cerca de 94% do cimento.

O calcário é misturado com outros insumos, como alumínio, ferro e bauxita para a fabricação de cimento, mas, para isso precisa passar por um processo de secagem. Na região Norte o calcário tem uma taxa de umidade que pode chegar a 20% e, para a produção de cimento, esse índice tem que ser reduzido para 2%.

São os fornos de secagem do calcário que usam o caroço de açaí como combustível para gerar um calor de mais de 400ºC, substituindo parte dos combustíveis fósseis. Como o poder calorífico deste material é menor em relação ao carvão, o volume usado é maior – mas com a produção paraense a quantidade de caroço do açaí não é um problema.

Por ano a fábrica da Votorantim Cimentos usa 48 mil toneladas de caroço de açaí. O que gerou a redução de 44 mil toneladas de CO2 na produção de emissões direta – além de evitar as emissões que a disposição desses resíduos em aterros poderia gerar.

Para o forno de cimento, que precisa atingir temperaturas superiores à 1000ºC, o caroço de açaí não é indicado. Nesses fornos, a fábrica usa outro tipo de biomassa composta de resíduos da indústria madeireira e construção civil: cavaco de madeira, briquete de madeira e pó de serra.

Em 2024, a fábrica de Primavera substituiu 64,3% do combustível fóssil por biomassas e se tornou a fábrica da Votorantim Cimentos que mais usa biomassa, reduzindo suas emissões em 22%.

Tecnicamente, o limite de substituição dos combustíveis fósseis, sem prejudicar a qualidade do cimento, é de 85%. Esse índice mostra que ainda existe uma grande possibilidade de redução nas emissões de gases de efeito estufa de cimento com o coprocessamento. O processo incorpora as cinzas no próprio cimento, eliminando todo o passivo ambiental dos resíduos.

No Brasil, a Votorantim Cimentos reduziu em 34% o uso de combustíveis fósseis.  “O maior desafio da indústria do cimento é a descarbonização”, ressalta Fábio Cirilo, gerente de sustentabilidade da Votorantim Cimentos.

Soluções locais

O caroço de aái faz parte das matérias primas usadas como biomassa na fábrica da Votorantim Cimentos. Foto: Diego Feitosa

Parte da resposta para este desafio vem justamente da gestão adequada de resíduos nas regiões onde existem fábricas de cimento. No Pará, onde a geração de caroço de açaí é abundante, este é o resíduo usado para substituir os combustíveis fósseis nas fábricas. No Paraná, a escolha da Verdera foi o reaproveitamento de resíduos urbanos para produção do CDR (combustível derivado de resíduos) que alimenta os fornos de cimento.

Além de garantir um destino mais sustentável aos resíduos existentes no entorno das fábricas da Votorantim Cimento, evitando o envio para aterros sanitários, a Verdera garante um processo mais barato, já que o uso de CDR e biomassa é mais barato que o uso de combustível fóssil. Como a escolha é por trabalhar com parceiros locais, os valores e emissões do transporte e logística também são reduzidos.

Com informações de Ciclo Vivo.

Sou Wellington, um entusiasta apaixonado pelo mundo da engenharia. Minha dedicação e amor pela engenharia são inegáveis. Passo horas estudando e explorando as mais recentes inovações e tecnologias, sempre buscando entender e compartilhar minhas descobertas.