Técnica pode garantir uma casa mais fresca e arejada, aproveitando as correntes de ar naturais
Com as temperaturas cada vez mais elevadas, o uso de equipamentos de resfriamento em ambientes internos torna-se quase indispensável. O aumento da demanda por climatização, no entanto, traz desafios do ponto de vista do consumo de energia e também do impacto ambiental. Não há solução única, sobretudo no contexto das mudanças climáticas, mas a maneira como as casas são construídas podem contribuir para melhorar esse quadro. Uma técnica simples que pode ser aplicada para refrescar a residência é a ventilação cruzada.
Tida como uma estratégia eficaz e sustentável para quem busca espaços mais arejados, a ventilação cruzada reduz a necessidade do uso do ar-condicionado. A técnica, amplamente utilizada em projetos de arquitetura e engenharia, envolve o uso estratégico de aberturas em diferentes partes de um edifício para permitir a circulação controlada de ar fresco, aproveitando diferenças de pressão e temperatura entre o interior e o exterior.
Como funciona a ventilação cruzada
Os arquitetos Raphael Wittmann e Jamile Emad Abdel Latif Musleh explicam o que é e como funciona a ventilação cruzada, seus benefícios e, finalmente, como aplicar em seu lar.
“A ventilação cruzada se baseia no princípio de que o ar flui através de um cômodo, entrando por uma abertura e saindo por outra, geralmente oposta. Este processo promove a eliminação do ar quente e a entrada de ar fresco”, esclarece o arquiteto Raphael Wittmann, à frente do escritório Rawi Arquitetura + Design.
A aplicação do conceito visa melhorar a qualidade do ar e o conforto térmico em edifícios, especialmente em residências, escritórios e instalações industriais. “Depende de aberturas posicionadas estrategicamente, como janelas, portas e aberturas de ventilação, em lados opostos ou em locais que promovam uma corrente de ar natural. Quando o ar quente e viciado dentro do edifício sobe, cria uma pressão mais baixa na parte superior, enquanto o ar mais fresco e mais denso é puxado para dentro do edifício a partir de aberturas na parte inferior”, detalha a arquiteta da construtora PATRIANI, Jamile Emad Abdel Latif Musleh. “Isso permite a renovação constante do ar interior, melhorando a qualidade do ar e reduzindo a dependência de sistemas de climatização artificiais e, consequentemente, o consumo de energia”, completa.
Jamile explica os benefícios da ventilação cruzada:
- Sustentabilidade: a redução do uso de sistemas de resfriamento e o aproveitamento da ventilação natural contribuem para edifícios mais sustentáveis, reduzindo a emissão de carbono.
- Economia de recursos: ao reduzir a necessidade de ar-condicionado, a ventilação cruzada prolonga a vida útil dos equipamentos e minimiza a necessidade de refrigerantes prejudiciais ao meio ambiente.
- Melhora da qualidade do ar: a ventilação cruzada permite a remoção eficaz de poluentes do ar interior, como o dióxido de carbono, compostos orgânicos voláteis e odores, proporcionando um ambiente mais saudável para os ocupantes. Isso é especialmente importante para a saúde respiratória e o bem-estar geral.
- Economia de energia: ao usar a ventilação cruzada para resfriar um edifício, é possível reduzir a necessidade de sistemas de climatização, como ar-condicionado. Isso resulta em economia de energia e, consequentemente, em redução nos custos de eletricidade.
- Conforto térmico: a circulação de ar fresco ajuda a equilibrar a temperatura interna, evitando picos de calor e promovendo um ambiente mais agradável durante as estações quentes. Também pode ser utilizada para eliminar a sensação de ar abafado em ambientes fechados.
- Redução de umidade: a ventilação cruzada ajuda a controlar a umidade interna, o que é crucial para prevenir o crescimento de mofo e bolor, além de melhorar o conforto respiratório dos ocupantes.
Como aplicar a ventilação cruzada em sua casa
Mesmo que haja algumas limitações em certos casos, o recurso arquitetônico geralmente pode ser aplicado em qualquer residência, como explica Raphael Wittmann. “A posição da casa no terreno, a questão da envoltória dos vizinhos e, principalmente, nas grandes cidades, ausência de recuos laterais e posteriores nas residências são fatores restritivos. Mesmo nesses casos, existem alternativas que possibilitam estabelecer a troca de ar, por exemplo, pelo teto, como clarabóias ou sheds. É o que se chama de efeito chaminé”, exemplifica.
Segundo o arquiteto, as janelas posicionadas em lados opostos são o método mais usual e funcional. O ar fresco entra por uma delas, normalmente mais baixa, e sai pela outra, que pode ser mais alta. Quanto mais altas as saídas do ar quente, alinhadas ao forro ou à laje, mais efetivas para evitar a formação de bolsões de ar quente na parte superior, já que o ar frio tende a descer e o quente a subir.
Moro em apartamento: e aí?
Wittmann deixa claro que nos apartamentos, nem sempre é possível promover a ventilação cruzada devido à arquitetura já pré-definida e pelo recurso não ter sido planejado no início do projeto. “Uma das principais questões atuais é o fechamento da sacada com vidros que, em muitos casos, não considera a passagem de ar e transforma o lugar em uma bolsa de ar quente, demandando pelo uso de ar-condicionado”, pontua.
O arquiteto explica que aberturas sob os caixilhos para facilitar a entrada de ar fresco ou basculantes sobre as portas que separam os cômodos das áreas de convivência são meios para deixar os espaços mais agradáveis do ponto de vista da temperatura.
Brises, cobogós e aberturas nos telhados
Nos casos em que é possível inserir a ventilação cruzada ao projeto desde a concepção, o arquiteto elenca as alternativas mais usuais e eficientes. Quer adicionar frescor e aproveitar o melhor dos recursos naturais? Confira as dicas de materiais abaixo que podem ser aplicados:
- Átrios e pátios: a criação desses espaços abertos dentro das residências facilitam a circulação do ar e o arejamento. Por exemplo, quando o ar entra por um caixilho que dá para um quintal e sai por um outro caixilho que dá acesso a um pátio, se cria uma ventilação cruzada.
- Brises: são elementos arquitetônicos vazados, móveis ou não, que possibilitam a troca de ar nos ambientes e controlam a luminosidade.
- Clarabóias com ventilação: aberturas no teto ou laje para a entrada de iluminação natural que podem ter também ventilação e que, quando combinadas as aberturas inferiores, permitem a criação de ventilação cruzada e que o ar quente escape. Essa estratégia é útil na presença de pé-direito duplo.
- Cobogós: esses elementos vazados, adotados em paredes e muros, consideram a passagem de ar, sem afetar a privacidade nas moradas.
- Sheds com ventilação: são estruturas no telhado que promovem a entrada de luz e ar que funcionam como janelas altas, podem ser usados tanto para a captação de luminosidade quanto para a saída de ar quente. Quando combinados com janelas baixas, facilitam a ventilação cruzada.
- Vãos altos: como o ar quente tende a subir, quando há vãos de caixilhos altos e posicionados próximos à altura da laje ou forro, pode ser evitado o acúmulo de ar quente na parte superior do ambiente.
Raphael Wittmann ainda esclarece que é possível empregar o conceito tanto interna quanto externamente, em uma construção. “Em uma região muito quente, a casa pode estar elevada do solo para a passagem de ventilação sob ela ou então por meio de um telhado suspenso, com um espaçamento entre a laje e o telhado, ventilando e melhorando o conforto térmico da edificação”, explica.
Paralelamente, você também pode adicionar mais plantas dentro da sua residência. Além de decorar o ambiente, a vegetação é uma forma simples para amenizar o calor dentro de casa – espécies de folhagens grandes são as mais indicadas. Mesmo quem não tem o “dedo verde” pode buscar por espécies de fácil manutenção. O cultivo aos poucos vira terapia e já há estudos que apontam o poder das plantas para a saúde mental.
Créditos: Ciclo Vivo / Imagem: Divulgação Rawi Arquitetura